São Paulo - região metropolitana
Diário de Ferro 11/09/2013

Esporte e o inesperado convite à intimidade

Por João Ricardo Cozac

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Em um período em que a ciência busca seu espaço e reconhecimento na preparação esportiva, a impessoalidade nas relações, que estão permeadas pelos interesses paralelos, afasta a essência do atleta do objeto de trabalho e identificação.

A concorrência no esporte está cada vez mais acirrada. Reduzir os tempos nas pistas, piscinas e autódromos e conquistar medalhas em estádios, ginásios e centros esportivos são o foco central de cientistas e pesquisadores que buscam, a qualquer preço, fortalecer o rendimento esportivo por meio de ferramentas potentes, abrigando arsenais tecnológicos e altas doses de robotização comportamental.

A mídia é, sem dúvida, outro fator catalisador da impessoalidade nas bases da relação entre o ser humano e o ser atleta. Entre todas as modalidades esportivas, o futebol talvez seja a que mais intensifica o hiato entre a legitimidade individual e as demandas do ambiente – além, claro, do passado e história pregressa social, cultural e psicodinâmica dos indivíduos.

O processo de perda da pessoalidade nas relações com o esporte promove patologias às quais os psicólogos do esporte devem estar atentos. Comportamentos e condutas preocupantes que denunciam a distorção e promovem um estranho dissabor no crescimento profissional esportivo explicitam as funestas (e corriqueiras) interferências no caminho pela liberdade da ação, superação e intimidade na ação.

A ciência deve ser uma parceira desde que participe do processo – que seja agente reforçadora – que envolve e agrega a prática e a experiência humanas do fazer esporte aliadas a um coerente método epistemológico. No entanto, de nada valerá o esforço experimental se a essência primordial do atleta não for cultivada, estudada e reforçada.

Desde os primórdios da existência, a ação humana permeia sua identidade e demandas. A prática esportiva e o “ser atleta” sempre tiveram causas que justificaram a plenitude e a coerência da cena enunciativa em todos os terrenos geográficos, econômicos, sociais e políticos. Um termômetro da cultura e da condição humana em sua relação com o espaço interno presencial.

O que mais me preocupa, atualmente, é constatar o baixíssimo grau de intimidade que alguns atletas assumem diante de suas empreitadas esportivas profissionais e pouco – muito pouco – pessoais. O convite para a intimidade de si é uma tarefa árdua e nobre relacionada com o espaço que o psicólogo do esporte ocupa nas clínicas e fora delas. Algo foi perdido (ou distanciado) na relação entre o objeto esporte e o valor humano agregado na relação.

Fica, aqui, o convite para rever essa relação – hoje pouco íntima entre aquilo que se faz no esporte e aquele que, há muito tempo, abandonou seus valores e raízes na busca incessante de uma identidade sem nome, forma e sentido.

Sobre João Ricardo Cozac

Psicólogo do esporte, presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte, vice-presidente da Sociedade Brasileira da Psicologia do Esporte. Membro acadêmico da Academia Brasileira de Marketing Esportivo e do Laboratório de Psicossociologia do Esporte da USP. Atua na área há 20 anos, atende atletas de diversas modalidades e categorias e é professor responsável pelo curso de Psicologia do Esporte na Associação Paulista da Psicologia do Esporte.

Sobre o blog Diário de Ferro

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